26/01/2008

* Passe o sal, por favor ?




Sobre a tirania do sal de cozinha...
foto:llunkes



Já percebi, sim! Já percebi que Porto Alegre é o fim-do-fim-do-fim-do-mundo e que , apesar dessa perturbante constatação, a vida teima em continuar no seu curso normal, invariavelmente. Aliás, como diz um velho amigo meu : " Porto Alegre não é de última. Happy Port é de penúltima porque nem de última consegue ser ". Autch ! Bem, exageros à parte....



É óbvio que seria ingenuidade de minha parte – se não até uma certa maldade – eu esperar encontrar sobre as mesas de nossos nativos alegrenses iguarias do tipo o sal amarelado da Nova Zelândia ( proveniente das profundas águas geladas do Pacífico), ou o sal rosado do Peru ( apanhado manualmente a 2300 metros de altura desde há 2000 anos atrás) , ou o sal negro vulcânico do Hawaí ( com seu famoso blend de carvão ativado ) ou ainda o magnífico sal do Himalaia de 200 milhões de anos de formação . Nem pensar. Ao retornar para a terrinha eu realmente não tinha a menor ilusão de topar com essas estranhices por aqui, afinal, já havia percebido, sim.É Porto Alegre, certo? So what? Life goes on . So, let’s move on. Fazer o que se eu amo essa city ?



Mas galera, vamos combinar uma coisa só aqui entre nós : aquele "salzinho" iodado e fininho ( ok, o organismo precisa de iodo) que se parece mais com pó-de-festa do que com algo comestível e que a gente encontra feito praga proliferada pelos mercados da cidade é, definitivamente, um sal de última-da-última-da-última-da-últ ... pardon, é decididamente de penúltima !!!!



Parto de um princípio bastante simples para embasar meu depoimento, princípio esse que me parece esquecido pelos nossos distraídos guardiões da boa mesa no decorrer dessas últimas décadas de constante e acirrado massacre do paladar da nossa desavisada população pela perversa e manipuladora indústria alimentícia brasileira. Vai aí, então : o sal não é simplesmente sal, gente . O sal é um condimentooooo e deveria ser tratado como tal !!



O sal de "verdade", colhido da forma tradicional e sem a interferência humana, é um espelho de sua área geológica de origem que reflete diretamente no seu sabor e na sua textura. Apresentando composições ricamente diversas de região para região, esse mineral, quando tratado por métodos químicos que o purificam e o clarificam, é radicalmente descaracterizado perdendo o que ele tem de mais precioso para nós, os glutões de plantão: o seu fantástico e insubstituível buquê de minerais. E é esse buquê que vai fazer toda a diferença à sua mesa.



Infelizmente, o produto que encontramos de forma ditatorial e às pencas pelas prateleiras dos estabelecimentos comerciais não passa de um "pozinho-de-mico-aborrecidamente-inodoro-irritantemente-insípido-desanimadoramente-insoso-ponto-com-ponto-be-érre". Ele é totalmente processado, repaginado, purificado, descaracterizado e, portanto, terrivelmente insípido. Esparramar esse pó-de-gafanhoto sobre o seu bifinho é matar a pobre da vaquinha pela segunda vez. É, ao enterrá-la em seu ávido estômago, privá-la das devidas honras de um ritual funerário de respeito e gratidão. Respeito por aquele ser que teve que ser impiedosamente sacrificado para que você continuasse vivo e assistindo o seu joguinho de futebol pela tv. Gratidão – e por mais calafrios que isso nos cause – pelo paradoxal assombro de que é sim a Senhora Morte a ama-de-leite que maternalmente embala e amamenta as nossas frágeis vidas.



Outro fator contra esse amaldiçoado sal fino de cozinha é que a sua textura nos obriga a salgar o produto de uma forma diferente. Como consequência disso, o primeiro sabor que você reconhece ao provar esse alimento é o desse mineral desprovido de qualquer prazer ao paladar , deixando para o segundo plano, o gosto da comida em si. Ao temperar moderadamente uma carne, por exemplo, com um sal marinho artesanal ou até um sal grosso para churrasco que foi moído em grãos menores, você estará cobrindo somente algumas áreas de sua superfície. Os cristais, a medida que vão entrando em contato com os fluídos dessa carne vão se dissolvendo e se alastrando de uma forma a não saturar o ítem, além de adicionar alguns buquês minerais ao produto, deixando-o infinitamente mais interessante.



Portanto, galera, não vamos menosprezar o poder alquímico e sedutor de um sal de boa qualidade. Eu sei ... já percebi, sim! Estamos em Porto Alegre, after all ! Mas há ainda uma luz no fim do túnel, ou melhor, há ainda uma "sal-ida" para a tirania desse bastardinho do fininho. Basta você ir a uma loja de produtos alternativos e pedir por sal marinho. Não é o melhor que você vai ter em sua cozinha mas já é uma excelente opção e você vai, certamente, notar a evidente diferença. Eu vou catar o meu, infelizmente, bem longe das vertiginosas alturas do Himalaia e dos alvos e íngrimes picos dos Andes . Vou buscar o meu sal, porém, nos não menos excitantes montes negros de Montenegro. Vou para lá toda vez que estou com saudades do saboroso bifinho da mamãe! Magnificamente temperado com aquela simples pitadinha ... com aquele gostinho de duas vidas que, alegremente, justificam-se em si pelos seus sacrifícios !



Fatos interessantes :



* a palavra salário vem de sal e refere-se ao pagamento dado aos soldados romanos com a finalidade específica de comprar tão valorizado produto;



* a Revolução Francesa começou como um pretexto contra a alta do imposto sobre o sal;



* na "Última Ceia" de Da Vinci, Judas é visto derramando sal, considerado um símbolo de alta traição;



* o sal é a única pedra que ingerimos. Haja metabolismo, nega!!!

9 comentários:

André Lins de Albuquerque disse...

Oi Luciano,

Ao mudar o tipo de sal terei também de modificar as quantidades que habitualmente uso?

Um abraço e obrigado pelo artigo muito interessante,
André Lins
NY

Luciano Lunkes disse...

Andre...certamente sim. E' um exercicio de erro-e-acerto. Ao chegar ao Brasil eu nao tive acesso a outro tipo de sal alem do iodado moido. Costumava salgar tudo demasiadamente. Aos poucos fui me acostumando com ele ate' comecar a moer o meu proprio sal a partir do sal grosso de churrasco. Por fim, encontrei o sal marinho.
Cada sal tem a sua personalidade. A medida que voce vai conhecendo o sal com que voce lida voce vai achando a medida certa. Voce vai desenvolver uma relacao tactil, ou seja, pelo simples toque ja sabera' qual a quantidade necessaria. Super abraco e volte sempre!! Saudades da nossa epoca do De Canto Brazilian Vocal Group.

Anônimo disse...

Lu,
discutimos esses dias numa roda de amigos num bar qual seria o momento certo de salgar , por exemplo, uma carne. Antes ou depois de ir ao fogo? O assunto ficou inconclusivo. Adorei o artigo.

André Lins de Albuquerque disse...

Mais uma Luciano: já ouvi rumores de que um cozinheiro experiente pode chegar a saber se a comida está com o sal suficiente pelo cheiro. Será que o olfato pode ser desenvolvido a esse ponto? Vc já ouviu esse rumor? Eu mesmo já tive a impressão de que algo estava salgado demais quando cheirei uma comida e depois realmente estava. Não sei se foi real porque não consigo identificar cheiro no sal em si.

Eu uso o sal iodado e o marinho em casa. Agora seu artigo me instigou a curiosidade de tentar o Kosher e procurar outros...

Abraço,
André

Luciano Lunkes disse...

Gisa, esse e' um assunto polemico. Mas tem que se usar o bom senso. Se salgares uma a salada com antecedencia e ela for "fragil" como por exemplo alguma folha verde ela vai ficar o que o frances chama de “fatigue’”, ou seja, cansada e murcha. Tem gente que gosta dela assim.

Se voce salgar algum alimento onde a quantidade de agua interna for consideravel como, por exemplo, tomates e pepinos voce ira extrair essa agua deles. Isso pode ser otimo se for bem feito. Se voce salgar tanto o pepino como o tomate, digamos, uma hora ou 45 minutos antes de servil-los e dispo-los numa peneira para deixar escorrer o liquido drenado, voce vai ter um produto de um aroma bem mais acentuado, pois os sabores estao menos diluidos. Adicione o azeite, o vinagre e a pimenta somente antes de servi-los. Veras que eles ficarao muito mais saborosos.

Quanto a carne: ai vem o dilema. E' controverso e ha brigas entre chefes. Ai temos que nos valer da ciencia. O sal extrai liquidos, isso e' fato. Muita gente acha que se salgarmos uma carne muito antes da coccao ela vai perder o suco e ficar mais seca e dura. Se for um bifinho fino, sim. Mas num pedaco maior a perda e' quase inexpressiva. Um fator positivo: o suco extraido dessa carne contem proteinas soluveis que em contato com o oleo quente vai "caramelizar” melhor essa carne e dar um adicional no seu sabor. Um dos lados negativos disso e' que o sal satura os oleos muito rapidamente. Portanto, se estas salteando essa carne em oleo, ela sera' levemente menos saudavel, partindo-se do principio que o oleo se "quebrara'" mais rapidamente.

No caso de peixes e frutos do mar que nao tem tecidos musculares conectivos, o caso e' diferente. Sao carnes muito delicadas , portanto aconselho a salga-las somente antes de irem ao fogo...e assim vai...tudo depende do que voce esta buscando..que resultados.

Outro caso que requer uma abordagem diferente são as frituras. Todos sabem que as batatinhas devem ser sagadas logo após a coccao e não antes. A razao e’ a que já foi exposta: a saturacao precoce do oleo. De outra forma esse oleo viraria um oleo diesel em poucos minutos de cozimento.

Bem , como ves , não existe um procedimento único mas sim varios. Tudo depende do conhecimento que temos sobre o produto que vamos sujeitar a algo tao radical como o fogo e de suas reacoes mediante tal exposicao alem , obviamente, dos resultados que estamos buscando. Espero que isso tenha ajudado um pouco.

Beijo, e se tiveres outra duvida, grita pro chefinho aqui...heheh

Luciano Lunkes disse...

Andre, imagino que isso ocorra justamente quando lidamos com um sal de uma personalidade mais marcante proveniente de seu buque mineral. A intensidade desse aroma deve dar uma ideia ao experiente cozinheiro de quando e' hora de para de adiciona-lo. Tente outros sais sim...em NYC as opcoes sao inumeras. Abracao

Luciano Lunkes disse...

Urubuservação : conforme comentou uma amiga, todos os tipos de sal no Brasil são iodados. É obrigatório por lei. É verdade. Porém o sal marinho, apesar da adicão desse componente,ainda retém parte do seu buquê mineral sendo, portando, ainda uma melhor opção ao bastardinho do fininho. Obrigado Lígia.

ralv22 disse...

Amigo, no mercado publico de Porto Alegre, tem flor da sal da sinsal, uma empresa do rio grande do norte, poderia provar e me dar o seu veredito? Não sei se por estar acostumado ao sal refinado nao me acostumei direito ou não estou sabendo salgar a comida.

Luciano Lunkes disse...

Caro ralv

ainda não provei o flor de sal da sinsal, não. Quando tiver a oportunidade ,certamente o farei. Na verdade, eu provei o caminho inverso ao seu quando me mudei de volta para Porto Alegre. Acostumado com outros tipos de sais penei ate me acostumar com o fino do supermercado. Ora salgava demais, ora de menos, era um inferno. Enquanto não encontrava outro sal que me agradasse ia usando esse mesmo até me acostumar com mo seu manuseio. Ainda assim, uso o refinado somente em último caso.
Quando tiver a portunidade de porvar o do mercado lhe direi, certo?
Um abraço e obrigado pela visita ao concha