04/03/2008

* tá no fogo !

Sobre a ineficiência dos nossos fogões domésticos; o "el infiernillo" e os fornos à lenha e outros babados pirotécnicos.
foto: llunkes

Você não fica geralmente emputecido com aquelas panelas que levam uma vida inteira para serem aquecidas? Ou com a sua cozinha que se parece mais com uma sauna em pleno verão escaldante? Ou ainda com a astronômica conta do gás depois de um mês de intensa atividade culinária? O grande problema, que você perceberá se prestar atenção na paisagem térmica de sua cozinha, é a quantidade de calor que escapa das fontes que o geram que sequer irá tocar na sua comida. Entre os maiores responsáveis está a ineficiência dos aparelhos domésticos.

De acordo com a Departamento de Energia Americano, um queimador de um fogão a gás transfere somente de 35 a 40 por cento de sua energia térmica para a panela; em contrapartida os fogões elétricos transferem 70 por cento dessa mesma energia. Qualquer pessoa que tenha em mente renovar a sua cozinha deveria saber que os cooktops vitrocerâmicos por indução, que geram calor diretamente dentro da panela, possuem 90 por cento de eficiência. Eles são mais competentes do que qualquer queimador a gás, trabalham mais rapidamente, não aquecem a cozinha e estão cada vez mais populares em cozinhas de restaurantes bambambams. Mas prepare o seu bolso : no Brasil um cooktop por indução de uma marca nacional do tipo Brastemp custa aproximadamente R$ 4.500,00. É mole, é?

Mas esse é o tipo do investimento que não gera arrependimentos posteriores. Maximizando a transferência de calor da fonte à panela produz um alimento de qualidade bem superior. Em frituras, por exemplo, quanto mais rapidamente a fonte energética puder trazer a temperatura do óleo de volta à temperatura anterior ao alimento ser submerso, mais rápido esse alimento irá cozinhar e menos óleo ele irá absorver. Ao ferver vegetais de coloração verde, a recuperação térmica rápida da água significa uma melhor retenção das vitaminas e da cor vibrante dos mesmos. E por aí segue a lista das vantagens.

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O "Infiernillo": uma milenar técnica andina de assar os alimentos


Final da semana passada fui passear com um grupo de amigos em José Ignácio, Punta del Este. Como os persistentes e acinzentados céus nos regavam com incessantes cascatas frias e torrenciais de H2O, o negócio foi esquecer a praia, resignar-se à vontade do firmamento e preencher o ocioso tempo dormindo, lendo e se empanturrando com a gastronomia local. Já que tínhamos em mãos o álibi perfeito para o crime dos pneuzinhos, não havia o menor motivo para não baixar a guarda, embarcar no carro e sair por aí a "bandidar". E foi exatamente o que fizemos.

Numa dessas brincadeiras fomos parar num minúsculo pueblito chamado Garzon, a cerca de 35 km de José Ignácio, um bucólico povoadinho habitado por não mais que 180 almas pastoris, um punhado de ovelhas sonolentas e outro punhado de vacas de olhares chapados e ruminantes. Um lugar que, sem dúvida, passaria completamente despercebido em qualquer mapa rodoviário se não fosse por um único e exclusivo motivo: Francis Mallmann, o célebre chef argentino e seu festejado Restaurante e Boutique Hotel Garzon. Ninguém entende muito bem por que cargas dágua esse sujeito foi parar por lá, no meio do nada afinal, estamos falando de um respeitável restaurante perdido a mais ou menos 65 km da península de Punta. Mas esse detalhe geográfico sequer abalava, aparentemente, o ritmo do entre-e-sai do estabelecimento. Hordas de americanos, ingleses, alemães e outros "eses" e mais outros "ães" (sem esquecer dos "inos") convergiam com seus carrões para esse charmoso e insólito paradeiro.

Foi aí que eu ouvi pela primeira vez a expressão culinária Infiernillo: "Nosso restaurante é realçado pelo romance e sabor do fogo. A nossa comida é preparada a partir de uma antiga técnica inca chamada "infiernillo"( inferninho) onde, entre duas fogueiras acesas em um forno à lenha, assamos as delicatesses dispostas em diferentes formas de ferro fundido que vão à mesa ainda crepitando. A simplicidade dos sabores obtidos através dessa técnica, mais a adição de um bom óleo de oliva e ervas do nosso jardim torna o resultado final muito especial. E e´esse o luxo da nossa culinária ". E que luxo, gente !! Pedimos, para começar, pêssegos assados e recheados com macadêmias e mel e servidos com fatias muito finas do espanhol presunto serrano. Uau! Sem comentários. Quando chegaram à mesa, àquela altura, já estávamos estufados feito fígados de gansos com a variedade de pães caseiros recém saídos do forno e servidos com uma pastinha de queijo de cabra (sonolenta) e ervas frescas. Dando seguimento à viagem , veio o carré de cordeiro al infiernillo com crosta de mostarda em grãos e vegetais também assados nas chamuscantes labaredas do forno e , por fim, um delicado musse de chocolate com uma contrastante brownie crocante. Isso sem falar do café, do vinho húngaro Tokai e dos petit fours. Alguém aí tem um sal de frutas, por favor ?

Nada poderia ser mais simples e mais saboroso ao mesmo tempo. Mais uma vez, então, a campainha interna soou ruidosamente e a memória viajou através do tempo, para aquela época de criança onde nossas mães costumavam assar tudo - desde o pão do café da manhã, passando pelos pintados biscoitos de natal e chegando até aos festivos porcos, marrecos e coelhos colocados inteiros nos fornos de tijolos construidos singelamente nos fundos dos quintais de nossos lares.

Já havia me esquecido, nesses tempos de modernidade, como o sabor de tudo era descomplicado e sublime. Encontro-me nostálgico em perceber que infelizmente estamos perdendo grande parte dessa preciosa herança, apagando completamente parte do que nos ajudou a construir o que somos hoje. Estaria realmente a chama azul devorando a vermelha banindo-a para sempre de nossos modernosos lares e artificializadas vidas ? Seriam esses os sinais dos tempos ou somente mais uma divagação quixotesca e clichê do chefinho-coroa que vos fala ? Hmm ... sei lá ... tô confuso ! Vou voltar a pensar sobre isso noutra hora, quando incomodar menos. Inté.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Quanto mais me embrenho pelos caminhos desse sítio, mas bege claire fico. Menino, multimídia e multifacetado? Aproveite que já é quase domingo e agradeça a Deus por ter te abençoado com tantos talentos. Privilégio para quem é merecedor. Ter o dom pra tantas? Tem mesmo que ajoelhar e rezar e juntar sete ervas atrás da orelha...

Luciano Lunkes disse...

Meu querido amigo(a)..olha, eu realmente estou em um momento da minha vida em que estou reaprendendo a voltar-me aos céus e agradecer de coração aberto ... chega a ser assustador como o ritmo dessa vida moderna, frenética e insaciavel nos turva a visão e nos distancia da verdadeira essência das coisas...obrigado por me reforçares esse senso de gratidão ... grande abraço !