Aqui esta, na íntegra, a entrevista que foi parcialmente publicada na revista "Sabores do Sul/n24".foto: Chris Knepler
Local de Nascimento?
São Sebastião do Cai
Idade?
43 anos
Como o regente virou chef?Havia terminado a minha especialização em regência na Hungria em 98. Retornei ao Brasil na ocasião e me dei conta de que a experiência lá fora havia me mudado mas a filosofia local em relação a música continuava a mesma. Decidi que não queria mais fazer parte daquilo e fui buscar outros caminhos. A gastronomia foi, no meu caso, uma opção natural pois desde crianca fui fascinado com as possibilidades "mágicas" de transformação da matéria no prazer sensorial que o cozinhar proporcionava. Os anos de Europa também me colocaram em contato com as mais diversas culturas gastronômicas aguçando assim, o meu interesse pela área. Decidido que seria essa a próxima etapa da minha vida, fui atrás de uma escola séria que pudesse me iniciar na arte e me colocar dentro da indústria. Encontrei essa instituição fantástica em New York, a
The French Culinary Institute que me dotou das técnicas e do conhecimento que necessitava para dar os primeiros passos floresta adentro.
Conte como foi suas experiências fora do Brasil?Devido ao meu desempenho responsável e positivo, ao terminar o programa um ano mais tarde, fui convidado a dar aula nessa escola. Compreendi que aquele não era o momento de ensinar e sim de continuar aprendendo, absorvendo conhecimento. Fui trabalhar no restaurante do mesmo estabelecimento onde fiquei por um ano. A partir daí resolvi que era a hora de sair de debaixo das asas da "escola mater" e encarar o mundo real. Parti em busca de chefes experientes e renomados cujos trabalhos tinham muito a acrescentar e, assim, fui parar nas cozinhas de importantes templos gastronômicos como os restaurantes
Le Cirque 2000,
Chanterelle,
L’Echole,
Chez es Saada e
Cucina .
Em Nova Iorque você virou private chef. Como foi este período?
Havia já alguns anos que estava trabalhando em restaurantes visando experiência, disciplina e conhecimento mas sabia , desde o princípio, que o meu perfil não se afinava inteiramente com esse segmento da indústria. Queria outro tipo de abordagem . Algo que fosse diferente da arena frenética e insana que é uma cozinha profissional. Foi aí que, levando comigo na bagagem a experiência sólida que esses estabelecimentos haviam me proporcionado, entrei para dentro das casas e dos eventos de pessoas que arregimentavam os chefes que eram cobiçados para as suas atividades sociais e privadas. Foi um período incrível onde tive a oportunidade de observar e transitar por um mundo totalmente diferente do meu .
Como você foi trabalhar com a Donatella Versace?Foi através de uma indicação de um dos chefes com quem eu havia trabalhado anteriormente. " Madame Versace " estava à procura de um cabeça para a cozinha de sua mansão de New York. Fui na ocasião entrevistado, testado e, dentre outros concorrentes, escolhido para tal função. Acabei ficando no posto por 3 anos até a família vender a propriedade e voltar para Milão.
O que anda fazendo em Porto Alegre no que se refere a gastronomia?
Consultoria e eventos particulares.
Como define sua cozinha?
Tenho formação em culinária francesa mas é quase impossível você caminhar em linha reta em um centro gastronômico como New York. São muitas as possibilidades, são tantas as tentações, as distrações e as oportunidades. Você acaba fatalmente exposto a outras tendências, outras culturas e seu caldeirão borbulha incorporando, de uma certa forma, todas essas influências. Posso dizer que ela tem um caráter de " fusion ...but without confusion."
Qual o prato que você acha que faz melhor?
Aquele que me desafia, que não sei muito a respeito e , por isso, vou à busca obsessiva de informações sobre ele . Trabalhei muitos anos para um casal descoladíssimo que viajava muito pelo globo. Ao voltarem de suas viagens dirigiam-se a mim e diziam" provamos na África do Sul um bobotie maravilhoso e gostaríamos que voce o fizesse para nós" . " Agora - pensava eu - que raios é um
bobotie sul-africano? " Falava com chefes africanos, pesquisava na internet , encontrava umas 10 receitas possiveis para o dito cujo. Comparava , sintetizava , eliminava o que julgava excessivo. Acrescentava o que julgava pertinente. Fazia e refazia. Ajustava .O resultado era sempre surpreendente e os "reviews" se superavam.
Sua rotina de trabalho é muito puxada?
Isso depende muito e varia de semana para semana mas a resposta é um sim. Tenho que me dividir entre duas áreas - a gastronomia e a música- e há semanas onde, para dar conta da demanda, não dá pra ser outra coisa senão hiper ativo.
Qual é o chef que mais o inspirou?
Posso citar vários mas vou mencionar o que foi o começo de tudo, o que me fez acreditar que valeria a pena o risco de mudar de profissão aos 35 anos de idade:
Laurent.
Q
ue conselho daria a um jovem que sonha tornar-se chef ?
Procurar conhecer bem a profissão em todos os seus aspectos , seus altos e seus baixos antes de iniciar-se nessa jornada. Conheci várias pessoas que, por não estarem completamente cientes do lado pouco "glamoroso" do ramo, acabaram padecendo já nos primeiros passos da caminhada. É uma atividade que não é para todos. Exige de você uma certa "casca grossa".
O que é uma refeição perfeita para você?É aquela que leva o olfato a embriaguez, o olho ao êxtase e a boca confirma que os dois primeiros não estao "pirando na batatinha"( risos). O coração só pode agradecer !
Para quem gostaria de preparar uma refeição?
Para todas aquelas pessoas que não acreditaram nessa minha "viagem" e , pejorativamente, declararam que eu havia deixado de ser um músico para tornar-me um "padeiro".
Qual o seu "truque" preferido na cozinha?
Não há truque na cozinha. Há ciência. E quanto mais conhecermos as leis que a regem melhor estaremos preparados para contornar os acidentes de percurso . É logico que ser um bom maquiador ajuda. Um pouco de botox aqui, um batom ali... (risos).
Como costuma lidar com as críticas?A crítica pode ser um termômetro e está , geralmente, baseada na "subjetividade do gosto" que é formada por vários fatores como o cultural, o sócio-econômico, oportunidades, informação, personalidade, etc. É fundamental o respeito pela percepção alheia e, talvez, a avalição de uma eventual adaptação ou algum ajuste se façam necessários mas sem perder a perspectiva daquilo que o define e identifica a filosofia de seu ofício.
O que você já comeu e não esquece?A minha melhor experiência gastronômica não se resume a um prato mas sim a uma sequência deles numa ocasião em que estive num restaurante novaiorquino chamado
Daniel. Inesquecível.
Qual o pior pecado à mesa?A falta da curiosidade, do espirito aventureiro . O não desafiar o seu paladar inviabilizando assim, a expansão, a amplitude.
Costuma sair para almoçar/jantar fora com freqüência?
Normalmente cozinho pouco para mim . Percebo-me mais estimulado chamando um grupo de amigos no final de semana e indo para a cozinha, porque esse fato me coloca naquela espécie de fenômeno " vou me puxar ". Consequentemente, várias das minhas refeições durante a semana acontecem fora de casa.
É difícil trabalhar com você?
Sou um perfeccionista e sempre soube identificar com clareza em qual posição na "cadeia alimentar " eu me encontro e aprendi a me portar de acordo. Os chefes com quem trabalhei impressionavam-se com a minha capacidade ‘camaleônica’ de , quando subordinado, seguir à risca as instruções dadas, impecavelmente, sem questionar a validade das ordens. Por outro lado, sempre procurava , quando no comando da "batuta", deixar explícito o que estava buscando e, firme mas cordialmente, conduzir os eventos para que isso acontecesse . Essa determinação , para alguns, era prazerosa mas para outros, provavelmente, nem tanto assim.
Quais seus planos profissionais?
Entendo ser vital fazer um reconhecimento de campo e ver o que é possível e viável e , em contraponto, detectar onde não vale a pena eu colocar a minha energia e meu tempo. Os planos futuros virão como resultado dessa percepção. E enquanto seu lobo não vem, vou me concentrando na área que me dá muito prazer e que é a de
eventos e festas particulares.